No universo do desenvolvimento de software, a definição clara de requisitos é o alicerce para projetos bem-sucedidos. Requisitos funcionais e não funcionais são dois pilares que, quando compreendidos e aplicados corretamente, garantem que o produto final não apenas atenda às expectativas iniciais, mas também opere com eficiência e segurança. Enquanto os primeiros definem as funcionalidades essenciais do sistema, os segundos estabelecem como essas funcionalidades devem se comportar em diferentes cenários. Este artigo explora detalhadamente cada tipo de requisito, suas aplicações práticas e a importância de integrá-los desde as etapas iniciais de planejamento.
Requisitos funcionais: a espinha dorsal das funcionalidades do sistema
Requisitos funcionais representam as ações específicas que um sistema deve executar para cumprir seu propósito. Eles são diretamente vinculados às necessidades dos usuários e descrevem o que o software deve fazer em termos concretos. Por exemplo, em um aplicativo de banco digital, requisitos funcionais incluem:
- Permitir que o usuário visualize o saldo da conta corrente.
- Facilitar transferências entre contas internas e externas.
- Gerar comprovantes de transações em formato PDF.
Esses requisitos são frequentemente documentados como histórias de usuário ou casos de uso, que detalham a interação entre o usuário e o sistema. Cada caso de uso deve responder a perguntas como:
- Quem executa a ação? (Ex: cliente, administrador).
- Qual é o objetivo da funcionalidade? (Ex: realizar um pagamento).
- Quais são os passos necessários para concluir a ação?
- Quais dados são necessários como entrada? (Ex: número da conta destino, valor).
- Qual resultado é esperado após a execução?
Um erro comum é subestimar a granularidade na descrição desses requisitos. Por exemplo, “o sistema deve permitir login” é vago. Uma versão mais precisa seria: “o usuário deve poder autenticar-se inserindo e-mail e senha, com opção de recuperação de senha via link enviado para o e-mail cadastrado”. Essa especificidade evita ambiguidades durante o desenvolvimento.
Requisitos não funcionais: os critérios invisíveis que definem a qualidade
Requisitos não funcionais não estão relacionados ao que o sistema faz, mas como ele faz. Eles definem atributos como desempenho, segurança, usabilidade e escalabilidade, que impactam diretamente a experiência do usuário e a viabilidade técnica do projeto. Por exemplo:
- Desempenho: O sistema deve processar 500 transações por segundo com latência máxima de 50 ms.
- Segurança: Dados de cartão de crédito devem ser criptografados usando TLS 1.3 durante transmissão e armazenados com AES-256.
- Usabilidade: A interface deve ser intuitiva, permitindo que um usuário realize uma compra em até 3 cliques.
- Disponibilidade: O aplicativo deve ter uptime de 99,9% mensal, exceto durante janelas de manutenção programadas.
Diferentemente dos requisitos funcionais, os não funcionais muitas vezes envolvem métricas quantificáveis. Por exemplo, afirmar que “o sistema deve ser rápido” é subjetivo, enquanto “o tempo de carregamento de páginas não pode exceder 1,5 segundos sob carga de 10.000 usuários simultâneos” estabelece um parâmetro claro para testes de desempenho.
Um caso clássico de negligência a requisitos não funcionais ocorreu em 2017, quando uma falha em um sistema de reservas aéreas causou o cancelamento de mais de 2.000 voos devido à incapacidade de lidar com picos de acesso. O sistema atendia aos requisitos funcionais (reservar passagens), mas falhou em critérios de escalabilidade e resiliência.
Como requisitos funcionais e não funcionais se complementam
Imagine um aplicativo de streaming de vídeo. Os requisitos funcionais garantem que os usuários possam assistir a filmes, criar playlists e baixar conteúdo offline. Já os requisitos não funcionais asseguram que os vídeos carreguem sem buffering (desempenho), que os dados de pagamento sejam protegidos (segurança) e que a interface funcione igualmente bem em dispositivos móveis e desktop (compatibilidade).
A ausência de requisitos não funcionais transformaria o aplicativo em um produto tecnicamente correto, mas impraticável. Por exemplo, se o tempo de carregamento de um vídeo for de 30 segundos, os usuários abandonarão a plataforma, mesmo que todas as funcionalidades estejam presentes. Por outro lado, um sistema ultra-rápido e seguro, mas sem funcionalidades básicas como busca ou reprodução em segundo plano, também fracassaria.
Classificação detalhada de requisitos não funcionais
Para evitar oversights, é útil categorizar requisitos não funcionais em subgrupos:
- Desempenho:
- Tempo de resposta em operações críticas.
- Taxa de transferência de dados.
- Capacidade de processamento em picos de demanda.
- Segurança:
- Autenticação de dois fatores para acesso administrativo.
- Proteção contra ataques DDoS e injeção de SQL.
- Conformidade com regulamentações como LGPD ou GDPR.
- Usabilidade:
- Curva de aprendizado menor que 15 minutos para novos usuários.
- Suporte a leitores de tela para acessibilidade.
- Documentação online e tutoriais interativos.
- Confiabilidade:
- Tolerância a falhas em componentes críticos.
- Mecanismos de rollback automático em caso de erros.
- Portabilidade:
- Compatibilidade com versões específicas de sistemas operacionais.
- Adaptação a diferentes resoluções de tela.
- Manutenibilidade:
- Código modularizado para facilitar atualizações.
- Logs detalhados para diagnóstico de problemas.
Cada categoria exige colaboração entre equipes de desenvolvimento, UX/UI, segurança e operações. Por exemplo, requisitos de segurança podem demandar a inclusão de pentests regulares, enquanto requisitos de usabilidade envolvem testes A/B com usuários reais.
Metodologias para coleta e documentação de requisitos
A eficiência na definição de requisitos depende de técnicas estruturadas:
Para requisitos funcionais:
- Entrevistas com stakeholders: Identificar necessidades de negócio e expectativas de usuários finais.
- Workshops de design thinking: Mapear jornadas do usuário e pontos de dor.
- Prototipagem: Criar mockups interativos para validar funcionalidades antes da codificação.
Para requisitos não funcionais:
- Benchmarking: Analisar concorrentes e padrões de mercado.
- Testes de carga preliminares: Estimar requisitos de desempenho com base em dados históricos.
- Auditorias de segurança: Identificar vulnerabilidades potenciais em estágio inicial.
A documentação deve ser centralizada e acessível. Ferramentas como JIRA, Confluence ou Azure DevOps permitem vincular requisitos a tarefas específicas, garantindo rastreabilidade. Um modelo eficaz inclui:
- ID único: RF-001 (Requisito Funcional) ou RNF-003 (Requisito Não Funcional).
- Descrição: Detalhamento claro e objetivo.
- Prioridade: Crítica, alta, média ou baixa.
- Critérios de aceitação: Condições que confirmam o cumprimento do requisito.
- Responsável: Equipe ou indivíduo encarregado da implementação.
Consequências de ignorar requisitos não funcionais
Em 2018, um grande banco europeu lançou um aplicativo móvel com funcionalidades inovadoras, como reconhecimento facial para login. Porém, durante lançamentos promocionais, o aplicativo tornava-se instável devido ao aumento repentino de acessos. O problema? Requisitos não funcionais de escalabilidade não foram priorizados. O custo para reestruturar a infraestrutura foi três vezes maior do que seria gasto se o requisito tivesse sido considerado desde o início.
Outro exemplo ocorreu em 2020, quando uma rede de saúde falhou em proteger dados de pacientes devido à ausência de requisitos claros de criptografia. A violação resultou em multas milionárias e perda de reputação.
Boas práticas para equilibrar requisitos funcionais e não funcionais
- Incluir não funcionais desde o início: Integrá-los ao backlog do produto, não como “itens técnicos opcionais”.
- Validar com usuários reais: Testar não apenas funcionalidades, mas também desempenho e usabilidade.
- Priorizar com base em impacto: Usar matrizes de esforço x valor para decidir quais requisitos implementar primeiro.
- Revisar iterativamente: Requisitos não funcionais podem evoluir com o crescimento do sistema.
Conclusão: a sinergia que define o sucesso do software
Requisitos funcionais e não funcionais são faces da mesma moeda. Enquanto os primeiros garantem que o sistema faça o que foi projetado para fazer, os últimos determinam como ele fará de maneira eficiente, segura e sustentável. Projetos que dominam essa dualidade não apenas evitam retrabalhos, mas também entregam produtos que se destacam em um mercado competitivo. Desenvolvedores, gerentes de produto e stakeholders devem tratar ambos os tipos de requisitos com igual rigor, assegurando que cada linha de código contribua não apenas para funcionalidades, mas também para uma experiência robusta e confiável.